A esclerose múltipla, doença neurológica autoimune que afeta o sistema nervoso central, atinge cerca de 35 mil brasileiros e cresce o número de vítimas, em razão do maior acesso a exames de imagem, que identificam a enfermidade. Os fatores que levam ao desenvolvimento da doença ainda são desconhecidos, mas sabe-se que a patologia acomete, predominantemente pessoas de 25 a 40 anos, de pele clara.
É o caso da coordenadora de produção, Crystal Ferrari, 34, e do analista de sistemas, Ivan Souza, 39, ambos de São Bernardo. Além da enfermidade, em comum os dois enfrentam o difícil acesso à medicação na rede pública.
Crystal Ferrari reside no bairro Rudge Ramos. Faz tratamento há um ano, quando foi diagnosticada com a forma grave da doença. “No início a complicação foi tratada como um tumor, até que um mês após o aparecimento dos primeiros sintomas descobri a esclerose”, conta. Ainda no ano passado, a coordenadora de produção passou por três internações e cerca de 20 dias no hospital.
Inicialmente, o medicamento utilizado por Crystal Ferrari foi o Copaxone, mas não surtiu efeitos, e os surtos da doença ainda eram constantes. “Cheguei a ficar com o lado direito do meu corpo paralisado e um mês sem conseguir andar. Ao todo fiquei seis meses afastada do trabalho”, diz.
A jovem conta que a medicação utilizada hoje, de nome Natalizumabe, é a sua última opção disponível pelo Sistema Único de Saude (SUS), já que, em consulta pública divulgada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, o órgão se mostra não favorável à incorporação do Ocrelizumabe no Sistema. A medicação alternativa custa cerca de R$ 35 mil e é indicada para o tratamento da doença.
Por causa dos sintomas distintos, é comum o acontecimento de falha terapêutica, quando um medicamento deixa de fazer efeito no paciente, o que torna o tratamento limitado. “Se um dia o remédio que uso hoje deixar de fazer efeito, eu não teria mais alternativas, o que já é o caso de muitas pessoas, por isso a importância da incorporação do Ocrelizumabe no SUS, que com uma outra opção”, explica.
Após tomar ciência do novo medicamento disponibilizado pelo mercado, e da possibilidade de incorporação no SUS, a munícipe tomou a iniciativa de publicar um pedido de ajuda em sua rede social, a fim de mobilizar os internautas a preencherem um formulário de Consulta Pública, que visa analisar a opinião da população sobre a oferta do remédio na rede pública. “Decidi fazer a publicação para impactar a população, pois soube de casos onde mesmo com a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) não favorável à proposta, após a consulta pública, a decisão foi positiva”, diz.
Mesmo realizando o acompanhamento pela rede particular, Crystal Ferrari acredita que é necessário a disponibilização do remédio pelo SUS para que o convênio possa cobrir. “Pode ser que um dia eu precise utilizar este remédio, e, com isso, eu e mais tantas outras pessoas teremos um tratamento eficiente, o que evita uma possível aposentadoria. A disponibilização dele não será apenas mais um gasto, como a Comitec alega”, diz.
Para Ivan Souza, portador da doença há dois anos, o acesso ao remédio é complicado, visto que a espera já chegou a ser de quatro horas na fila para retirar a medicação no Poupatempo. “Às vezes o remédio estava em falta e sequer davam uma previsão de quando teria novamente”, conta. Para o analista de sistemas, que não possui muitas sequelas da patologia, os maiores desafios são os tabus mantidos na sociedade. “As pessoas acham que temos pouco tempo de vida, o que não é verdade, pois podemos viver tranquilamente dentro das nossas limitações”, explica.
O que é a doença
Desenvolvida após a criação de anticorpos no organismo, que atuam contra uma região ao redor dos nervos, chamada de bainha de mielina, a esclerose múltipla é uma doença crônica e inflamatória, que deixa o impulso nervoso lento e causa atraso do sinal elétrico cerebral, de acordo com Ana Paula Dias, neurologista. “A doença pode se manifestar de várias formas diferentes em cada organismo, como alteração de sensibilidade, alterações visuais e incontinência urinária”, explica.
O tratamento da esclerose múltipla funciona a partir de medicações, como corticoide em altas doses, que reduz a atividade inflamatória, segundo Ana Paula Dias. “Em alguns casos entramos com drogas imunomoduladoras, que acalmam o sistema imunológico para que não haja o ataque dos anticorpos na bainha de mielina”, conta. No caso da variação da doença, chamada esclerose múltipla remitente recorrente, os surtos acontecem periodicamente e são intercalados com períodos de remitência, onde não há sintoma.