Em entrevista ao RDTv nesta quarta-feira (03/03), pouco mais de duas horas após o governo do estado decretar regressão à fase Vermelha do Plano São Paulo em todo o seu território, o médico infectologista Renato Grinbaum disse que a medida mais dura era inevitável diante do número de casos e do comprometimento da capacidade de atendimento dos hospitais que está em 80% em média no ABC na rede pública. Membro da Sociedade Brasileira de Infectologia e professor da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), Grinbaum disse que a medida foi tomada de forma tardia. Para ele o estado deveria ter entrado em lockdown entre o final de janeiro e o mês de fevereiro, em intervalos mais curtos para garantir que o sistema não entrasse em um colapso o que, na opinião dele, está próximo.
“Essas medidas são indesejáveis no sentido de que freiam a economia, a atividade das pessoas, aumentam danos psicológicos, mas é uma pandemia com 250 mil mortos o que é uma grande tragédia, ninguém imaginava essa quantidade de mortes em 12 meses. O que posso dizer é que isso (Fase Vermelha) era inevitável e até tardio. Temos autoridades que realmente desprezaram completamente a pandemia, estimularam o comportamento errado, temos o comportamento das pessoas que se cansaram e começaram a não levar à sério mais as medidas e nós já poderíamos já ter controlado essa pandemia, mas não temos vacina suficiente. Nessa mistura de fatores temos um cenário em que não há mais leitos hospitalares. As pessoas vão começar a ter problemas e até falecer porque não há leito hospitalar nem na rede privada, nem na rede pública, não há mais como acolher e cuidar das pessoas”, disse Grinbaum.
Na opinião do especialista não faz sentido o funcionamento das igrejas, liberadas para funcionar como serviço essencial. Quanto as escolas, na sua opinião pessoal elas não deveriam abrir para o funcionamento presencial, mas admite que essa é uma questão controversa. “Na Europa alguns países deixaram as escolas abertas, do ponto de vista de contaminação das crianças realmente o risco é baixo, mas a gente tem que lembrar que tem pessoas que trabalham e circulam ao redor da escola e que essas pessoas vão estar desprotegidas, então é uma medida controversa, mas tem sustentação, já quanto as atividades religiosas eu acho mais complicado, porque realmente neste momento existem alternativas, temos condições de fazer isso de outra forma e diminuir a circulação das pessoas”, opina o médico.
Grinbaum apoia as medidas adotadas pelo governo do estado de determinar a Fase Vermelha do Plano São Paulo, porém considera que elas são tardias. “Esse rigor é necessário e já deveríamos ter começado um lockdown há duas semanas e não teríamos chegado a essa situação de agora, quando já poderíamos começar a pensar em abrandar”, avalia o infectologista que disse que, mesmo com as medidas de restrição de circulação, a ocupação de leitos vai continuar crescendo até que elas tenham efeito. “Entrar em colapso é provável porque nessas próximas duas semanas os resultados não serão colhidos, vamos ter os resultados após duas ou três semanas, quando diminuirmos o número de novos casos. Eu acredito que se a população colaborar daqui a duas ou três semanas nós vamos colher os frutos. Hoje o que a gente vê é reflexo do Carnaval onde as pessoas viajaram, foram para a praia, fizeram o que quiseram sem se importar com a pandemia. O lockdown deveria ter começado naquele momento”.
O médico considera que a falta de um discurso único das autoridades é que desmobilizou a população em torno da necessidade de cumprimento do isolamento social. “Isso é reflexo de uma política pública muito ruim, de uma nação sem planejamento que priorizou tratamentos precoces totalmente ineficazes, quando teve possibilidade de comprar vacina não comprou, com algumas autoridades falando a favor do isolamento e do uso de máscara, outras autoridades ironizando de uma forma que acho até eticamente muito complicada, junto com essa população que ficou confusa e se cansou. É uma somatória disso tudo.
Prevenção
O infectologista Renato Grinbaum explica que o distanciamento é o principal fator de proteção a ser adotado. “Desinfetar a casa com spray para matar vírus, passar álcool na compra que trouxe passar álcool, tirar a roupa que vem da rua, tudo isso é ineficaz porque o vírus não se transmite dessa forma. As três medidas que temos que seguir são: a primeira e mais importante é ficar a pelo menos dois metros de outras pessoas; a segunda é usar a máscara, o que não substitui o distanciamento, não adianta pegar um ônibus cheio usando máscara e estando a 20 centímetros de outras pessoas, não vai funcionar, vai só diminuir um pouco o risco; e o terceiro é higienizas as mãos, se tiver algum risco ambiental, higienizando a gente resolve”, orienta. “Essas medidas são para todos, a vacina não tem uma proteção de 100%. A pandemia está viva e a gente pode se reinfectar, então todos, independente de vacinação, temos que manter os cuidados básicos”, continua.
Sobre as máscaras o especialista considera que o uso de duas de tecido protege mais, mas o importante é usar. “Não adianta dizer, eu não acredito, isso não é direito individual, nós estamos falando de uma pessoa que está contaminando os outros, isso é um crime e teve gente na Inglaterra presa por isso. Se uma pessoa tem Aids e faz sexo sem preservativo com outra pessoa e sabe, isso é um crime, (com a covid-19) é a mesma coisa, se tenho o potencial de ter uma doença e não protejo os outros estou cometendo um crime. Posso discordar, mas tenho que seguir as regras e, pelos mecanismos democráticos, eu vou questionar as normas, mas eu não posso sabotar senão o país fica sem ordem e a gente vive o caos”, aponta Grinbaum.
Por fim o médico lamenta o momento de recrudescimento da pandemia. “Como médico estou frustrado porque não consigo cuidar de todo mundo como eu gostaria, porque não tem leito para todos. Tudo o que eu desejo é que a vida das pessoas volte ao normal, a gente quer que a economia volte; a gente não quer ninguém perdendo emprego, tendo redução de salário, o que a gente quer – e que o governo pode fazer – é vacinar todo mundo. Enquanto não tiver vacina que faça lockdowns temporários, bem feitos, que durem pouco, para que consiga conter até que se tenha a vacina, fora isso, tudo é só conversa”, conclui.