Sem ter para onde correr ou a quem recorrer, os transportadores escolares fazem parte de uma das categorias mais prejudicadas com a pandemia da covid-19. Na segunda-feira (08/03) mais de 200 vans fizeram um protesto no Centro de Santo André, cobrando auxílio e crédito através do Banco Andreense, prometido ano passado, mas que ainda não saiu do papel. A situação, no entanto, não é melhor em outras cidades do ABC, em que os profissionais estão se enterrando em dívidas e vários já perderam as vans porque não conseguiram pagar o financiamento e, por isso até abandonaram a profissão. A situação pode piorar ainda mais com a decisão judicial desta terça-feira (09/03) que suspendeu todas as aulas no estado, tanto na rede pública como privada.
Há 40 anos como transportadora escolar, Solange Amaral, trabalhava junto com a filha levando e trazendo alunos das escolas de São Bernardo, cada uma com uma van. Durante a crise provocada pela covid-19, a filha desistiu de trabalhar na área. A van que ela usava foi vendida para pagar as contas que estavam atrasadas, a outra Solange utiliza ainda na esperança de se manter na profissão que escolheu há 4 décadas. “Minha filha conseguiu um emprego num shopping e não vai mais voltar o transporte escolar”, explicou Solange, que é presidente do Sindicato dos Transportadores Escolares na cidade.
“Aqui em São Bernardo éramos 1,2 mil transportadores, digo éramos porque muitos venderam os veículos e mudaram de ramo. Estamos em uma situação muito difícil desde o ano passado; o prefeito não tem culpa da pandemia, mas também não ajudou muito; deu cestas básicas para os condutores e os auxiliares e cancelou a exigência das vistorias, mas o ISS (Imposto Sobre Serviços) veio e a gente tem que pagar. Muitos motoristas começaram a entrar em dívidas com o cartão de crédito, limite do cheque especial e isso vai virando uma bola de neve”, conta Solange Amaral. “Eu mesma estou com o cartão de crédito estourado”, comenta a transportadora que, apesar da dificuldade, mantém sua van em ordem e continua transportando alunos, no caso dela, alunos especiais. Ela tem rodado com o veículo muitas vezes só com uma criança o que torna o custo inviável.
São Bernardo autorizou os motoristas a usarem suas vans para transporte de carga, mas há riscos. “Tenho colegas que estão transportando mercadorias de vendas pela internet de grandes lojas, mas eles estão sujeitos a assaltos. Aparece carga pesada de material de construção que destrói a van”, comenta a condutora escolar que se vira fazendo trabalhos em casa para completar a renda. “Faço bolsas e chapéu de crochê, além de bonecas”, comenta.
Em nota, a prefeitura de São Bernardo informa que prorrogou por um ano a troca de veículos escolares que teriam o prazo expirado em 2020, além de outras ações. “No ano passado, também foi estendido o vencimento dos alvarás de táxi e dos Certificados de Registro Municipal (CRM) de vans escolares por mais 12 meses. Em caráter excepcional, foi autorizado o uso dos veículos para transporte de cargas dentro do município, até a retomada regular dos serviços de transporte escolar. A categoria também foi contemplada com a entrega de kits de alimentação, beneficiando 1.350, monitores, autônomos e cooperados”.
Durante RDTv desta terça-feira (09/03) o condutor escolar de São Caetano, Gabriel Raiser, disse que fez bicos como motorista de aplicativo, mas relatou o medo ser assaltado, o que tem assaltos, o que é comum nesta atividade. “Está muito perigoso para trabalhar na rua e tem gente que não tem outro carro para trabalhar, só tem a van, outros até a van perderam para o banco porque não conseguiram pagar. A prestação da minha é de R$ 2,5 mil por mês e já não pago há meses. A gente não tem como pegar empréstimo porque não tem como pagar. Aqui estamos pagando só o primordial que é o convênio médico”, disse o condutor, cuja esposa está grávida. Antes da pandemia os dois trabalhavam como condutores escolares, cada um com uma van. Eles transportavam entre 50 e 60 crianças por dia, atualmente apenas 8 ou 10. Em São Caetano a prefeitura não autorizou o uso das vans para outras atividades. “Também não deram isenção de taxas, mas pedimos em vários ofícios, nos deram cestas básicas até novembro, mas queremos o adiamento do prazo para troca de vans por pelo menos dois anos, para que possamos ter um fôlego”, comenta.
A administração sancaetanense informou que tem concedido o Auxílio-Transporte Escolar no âmbito do Programa Pró-Família. “Cerca de 1.500 alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental (1° ao 9º ano) da rede municipal de ensino de São Caetano recebem o auxílio de R$ 130 por mês, que é repassado ao transportador. No ano de 2020, o pagamento foi realizado mesmo não havendo aulas presenciais, por meio de depósito na conta bancária do responsável pelo aluno, a exemplo do que é feito com o Auxílio Uniforme Escolar. Neste ano, o auxílio ainda não foi concedido, pois a Secretaria Municipal de Educação aguarda a consolidação das aulas presenciais para fazer o cadastramento de novos inscritos”. A prefeitura de São Caetano disse ainda que estuda a possibilidade de suspensão da taxa de vistoria.
Familiar
O transporte escolar, é, em geral, uma atividade familiar. Da mesma forma que Solange Amaral, que trabalhava com a filha, e Gabriel Raiser, que dividia a atividade com a esposa, a condutora Beatriz Aparecida Cunha, de Santo André, trabalhava com o marido, que hoje faz transporte por aplicativo e ela, quando consegue, faz faxina para pagar as contas. Mesmo assim a prestação da van escolar está atrasada há nove meses. “O medo é perder a van porque não pago desde junho”, disse a profissional que até junho do ano passado transportava 60 alunos e hoje não transporta nenhum.
Mário Ramos Monteiro, presidente do Sindicato dos Transportadores Escolares de Diadema disse que a prefeitura até tentou abrir a possiblidade de prestação de serviço ao município, mas a demanda que surgiu não compensou. “Apareceu serviço em uma secretaria e a demanda de uma van uma vez por mês, aí não dá”, comentou. Em Diadema são 187 vans cadastradas segundo o sindicato. A prefeitura de Diadema informou em nota que, depois de encontro com os transportadores escolares, a Secretaria de Transportes contatou a Ciretran e esta informou que o agendamento da vistoria poderia ser feito no site do Poupatempo, resolvendo um dos problemas levantados na reunião. “Também acatando reivindicação dos transportadores, a Secretaria de Transportes está realizando avaliação para a concessão de anistia e de isenção do Imposto Sobre Serviço (ISS) e da taxa de fiscalização”, disse a prefeitura.
A prefeitura de Ribeirão Pires sustenta que não gerou nenhum tipo de política pública para o setor, mas que está aberta ao diálogo. A prefeitura de Santo André tem uma reunião com a categoria nesta quarta-feira (10/03) para tratar do crédito através do Banco Andreense e outras questões que a administração prometeu para a categoria no ano passado. As prefeituras de Mauá e Rio Grande da Serra não responderam aos questionamentos do RD.