Além de contribuir com o meio ambiente, a adoção de praças e áreas públicas pela comunidade é um ato que estimula a socialização e a sensação de pertencimento à vizinhança. Para o sociólogo Liráucio Girardi Júnior, a lógica do “cuidar” está presente nestas iniciativas, ainda mais no momento de pandemia que evidencia a necessidade de isolamento social. Na região, a maioria das cidades conta com programas que incentivam a adoção de praças e há também iniciativas das comunidades.
Professor de Pós-Graduação em Comunicação da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), Girardi Júnior afirma que a criação de hortas ou jardins comunitários – ou a atenção e cuidados da comunidade com as áreas comuns – produz espaços de socialidade, pequenos rituais de encontro durante o dia ou na semana, um tipo de capital social.
Na pandemia, diz o professor, ainda é preciso seguir os protocolos adequados, o que significa cuidar do que deveria ser pensado como ‘comum’: a saúde da comunidade”, que deve participar das ações desde o seu planejamento. “O ideal seria que, na relação com o poder público, a comunidade participasse dos processos de discussão e decisão sobre assuntos comuns que lhe dizem respeito. Se for, simplesmente, uma medida ou decisão tomada de cima para baixo, sem a participação das pessoas envolvidas, há uma grande chance de uma falta de entendimento sobre o que significa a ‘coisa pública’ ou aquilo que é ‘comum’”, explica.
Santo André mantém o programa Amigos da Praça, em parceria com pessoas físicas e jurídicas, cujo objetivo é manter e conservar praças e áreas verdes. Em contrapartida, é possível fixar placas no local escolhido. A quantidade de placas depende do metro quadrado da área “amiga”. Até 500m², pode ser fixada uma placa; duas se o terreno tiver entre 500 e 3 mil m²; três, se a área for de 3 mil a 5 mil m² e acima desse tamanho o amigo da praça pode colocar três placas acrescidas de uma a mais a cada 5 mil m² a mais. As placas têm 1m x 0,80m. Entre as obrigações do parceiro estão a manutenção do gramado, limpeza do terreno e roçagem. O munícipe que tiver interesse na adoção deverá entrar em contato pelos canais de atendimento da prefeitura ou e-mail: amigosdapraca@santoandre.sp.gov.br.
Um destes “amigos” é o empresário Flávio Silveira Sandreschi, que fez a primeira parceria dentro do programa, para cuidar de uma área de aproximadamente 1,7 mil metros quadrados na avenida Pereira Barreto, em frente ao Carrefour, onde possui um centro automotivo. Sandreschi diz ter orgulho de ajudar a Prefeitura na conservação da área verde, que conta com gramado, arbustos e diversas árvores. “Acredito muito na parceria e ainda tenho placa da minha oficina em um lugar onde passa muito carro. Coloco no meu site e deixo claro que isso é um compromisso social da empresa. Por causa dele eu ganhei até reconhecimento do Prêmio Sebrae de Meio Ambiente”, orgulha-se o empresário.
Sandreschi diz que investe mensalmente cerca de R$ 700 para manter a área limpa, podada e com a grama aparada. Algumas espécies foram plantadas, mas não pode ser qualquer uma. A Prefeitura forneceu as mudas. “A empresa que faz a jardinagem vai uma vez por mês, nesse intervalo eu e alguns funcionários fazemos manutenção lá. Procuro manter o local sempre bonito, porque é o nome da minha empresa que está lá, além de ser muito agradável”, comenta. Segundo a Prefeitura, 98 áreas verdes e praças já contam com o programa Amigos da Praça.
Comunidade
Outro caso de sucesso começou com a iniciativa de uma escola particular de Diadema, de cuidar de uma praça em estado de abandono, no Centro, e acabou com a adoção do local pela comunidade. A praça, que conta com pequena área verde e uma quadra, estava sem cuidados. Era onde despejavam entulho e lixo e abrigava moradores em situação de rua. O colégio Júlio Verne resolveu mudar o cenário. Primeiro para fazer com que os alunos tivessem o sentimento de pertencimento e ajudassem a cuidar do local, mas depois se tornou uma causa que atraiu empresários e a comunidade do bairro de tal forma, que hoje a praça tem uma cara totalmente nova.
“Antes parecia um lixão”, conta a professora Márcia Saggio, diretora da escola, que iniciou o projeto em 2014. A parceria com a Prefeitura, acabou não formalizada, mas todas as ações realizadas tiveram a aprovação do poder público. A jornada começou com a limpeza do local. “Os próprios alunos resolveram falar com os moradores de rua que ficavam ali e pediram autorização se poderiam invadir a ‘casa’ deles para limpar. O resultado foi a colaboração”, recorda a professora.
Depois da limpeza a praça precisava de mais atenção. Os alunos decidiram pintar a quadra e para isso a escola criou um bazar, com uniformes doados por pais cujos filhos tinham crescido. Um grupo de mães se encarregou de lavar, organizar e vender as peças a preços simbólicos, mas uma verba suficiente para a pintura da quadra. “Ficou bonita, mas não fazia sentido ter uma quadra poliesportiva se não havia aro nem cesto nas tabelas de basquete. Era um esporte impossível de se jogar ali naquelas condições, aí a escola complementou a verba e compramos aros e as cestas. A nossa surpresa é que as pessoas passaram a jogar basquete, fazem até campeonatos lá, tem jogadores que esperam um jogo terminar para entrar”, conta Alexandre de Medeiros, professor e diretor do Júlio Verne.
Um dia as cestas feitas de corda sumiram. “Pensamos que foi vandalismo e ficamos até chateados, mas no dia seguinte estavam lá, algumas pessoas tiraram para reparar algum desgaste e recolocaram. Isso para nós foi o máximo, o fato das pessoas cuidarem”, diz o professor. Márcia Saggio diz que os alunos também praticaram a teoria da sala de aula com plantio de algumas mudas, feitas com orientação da Prefeitura. “Já colhemos até maracujás e fizemos suco na escola com o que os próprios alunos plantaram”, diz a professora.
Diadema informa que quer formalizar parcerias com empresas e moradores interessados em contribuir para a conservação de praças e parques. As secretarias municipais de Meio Ambiente e de Assuntos Jurídicos estão elaborando um Edital de Chamamento Público para oferecer 185 áreas para adoção. Os aprovados vão firmar um convênio com a municipalidade em que assumem a responsabilidade de manutenção do espaço.
São Caetano
Em São Caetano, existe uma comissão que trata sobre adoção de praças. A empresa interessada em ‘adotar uma praça’ deve entrar em contato com a Seplag (Secretaria de Planejamento e Gestão) pelo telefone 4227-7625 ou e-mail seplag@saocaetanodosul.sp.gov.br e formalizar a intenção de adoção e de qual praça para começar o processo. Somente pessoa jurídica pode adotar praças em São Caetano.
Rio Grande
Em Rio Grande da Serra há o programa Adote uma Praça, criado pela lei municipal nº 2270/18. A legislação diz que a pessoa física ou jurídica pode adotar alguma praça, canteiro, lateral de via pública, áreas verdes, monumentos e outros espaços públicos livres de lazer e de interesse paisagístico e assumir a zeladoria e manutenção do espaço. Para isso deve encaminhar ofício à Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turístico e manifestar o interesse e anexar projeto ou escopo da intervenção que pretende fazer no local. Uma vez aprovado e implementado o projeto, o adotante poderá exibir sua logomarca no local, em placas padronizadas. Não é permitido fazer exploração comercial do local. O pedido será submetido a uma comissão avaliadora e, uma vez aprovado, será lavrado um Termo de Cooperação, que terá validade de um ano, prorrogável por mais um ano. Todas as praças e canteiros são passíveis de adoção. O decreto foi publicado em 2 de março e até o momento há apenas um pedido formalizado, que se encontra em análise.
São Bernardo
São Bernardo mantém o Programa “Adote uma Praça”, onde empresas podem adotar praças públicas, da conservação, urbanização até manutenção. As empresas particulares que integram o programa podem afixar placas com logotipos, esclarecer que a urbanização, conservação e manutenção da praça são por elas executadas. Interessados em aderir ao programa devem oficializar pedido junto ao Departamento de Parques e Jardins, por meio de preenchimento de formulário e apresentação de documentação em uma das unidades do Atende Bem. O processo pode ser feito também virtualmente pelo link https://guiadeservicos.saobernardo.sp.gov.br/guia-de-servicos/servicos/212177/mostrar .
Em São Bernardo há, ainda, o programa Praça-Parque, que promove revitalização de espaços verdes, com instalação de equipamentos de esportes e lazer. O programa propõe que os moradores do entorno elejam um representante da comunidade, responsável pela abertura e fechamento do espaço, além do acionamento da GCM em caso de necessidade. A cidade já conta com 44 praças-parques espalhadas por todos os bairros.
Mas nem todas as experiências de adoção de praças dão certo. Sem uma aliança formada entre a comunidade, ou a empresa com o poder público problemas podem acontecer. Moradores do bairro Santa Terezinha, em São Bernardo se reuniram para fazer uma horta comunitária na praça Geraldo Capitâneo e lutaram para evitar que o local virasse um estacionamento. Mas a Prefeitura foi ao local e mandou que as intervenções feitas pelos moradores fossem desfeitas porque os espaços públicos deveriam seguir um padrão. A Prefeitura informa que não se opõe e até incentiva a participação da comunidade, mas todo projeto deve ser aprovado e autorizado pelo Departamento Técnico de Parques e Jardins.
Para o professor da USCS nestes casos pode ocorrer uma profunda frustração quanto ao significado que a comunidade deu durante tanto tempo àquele lugar. “Nem sempre ‘boas intenções’ são capazes de gerar boas legislações e regras de convivência, compartilhamento e respeito aos espaços comuns. No caso da flora e da fauna, nesses espaços, é preciso considerar que a educação ambiental é um exemplo claro de preocupação com o comum, não somente em nível local como global. Ela nos ajuda a entender o equilíbrio complexo entre os seres humanos e os ambientes que constroem e vivem”, diz Girardi Júnior.