Segundo a Receita Federal, o número de MEIs (Microempreendedores Individuais) cresceu 23,68% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado, quando o número já havia crescido 25,22% sobre os seis meses iniciais de 2019. Com isso, nem a pandemia freou o avanço dos microempreendimentos. Mas especialistas dizem que nem de longe esse movimento pode ser confundido com crescimento, recuperação ou melhora da economia. A explicação é que muitos destes MEIs são trabalhadores que se tornaram patrões de si mesmos por não encontrarem emprego com carteira assinada e segundo um modelo de liberalismo econômico reforçado com as reformas trabalhistas.
Apesar de o ABC ter invertido a curva do desemprego no comparativo entre os primeiros semestres de 2020 e 2019, ao sair do saldo negativo de 34,5 mil postos de trabalho para o número positivo de 19 mil empregos, o MEI ainda é a alternativa mais imediata para quem precisou trabalhar e não encontrou emprego com carteira assinada. Foram pequenos negócios na área de alimentação ou prestação de serviços, como motorista de aplicativo e de entrega de encomendas, que sustentaram com dificuldade muitos lares.
Mortandade
Mas, o economista e professor da USCS (Universidade de São Caetano do Sul), Volney Aparecido de Gouveia, alerta que a maioria destes ‘negócios de sobrevivência’ tende a morrer em curto espaço de tempo. “O índice de mortandade de MEIs no Brasil é elevado. Em média, 80% das microempresas fecham em menos de cinco anos, muitas vezes em razão de problemas de planejamento financeiro e de gestão. Neste contexto, o papel do Sebrae (Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa) e das instituições de ensino é fundamental para dar apoio a estas empresas e evitar o caminho da falência”, afirma Gouveia.
O professor de economia considera que, assim que o mercado de trabalho melhorar, muitos destes MEIs devem trocar o CNPJ por um carimbo na carteira de trabalho. Porém, isso ainda pode demorar e o número de microempreendedores individuais ainda continuará em ascensão. “Mas ainda assim em proporção menor em razão dos efeitos da reforma trabalhista, que piorou a proteção aos trabalhadores. A essência da política econômica do governo federal hoje sinaliza para a manutenção de empregos precários e sem proteção devida, o que mantém as condições de expansão das MEIs no curto prazo. Uma recuperação mais ativa da economia tenderia a migrar estes MEIs para os empregos formais, que garantem algum tipo de proteção como INSS, Fundo de Garantia, férias etc”, afirma.
Perguntado se a economia nos próximos meses estará fortemente amparada na atividade econômica dos MEIs, Volney Gouveia diz que isso não deve acontecer. Explica que esta categoria é, via de regra, de atividades de baixo teor tecnológico e produtivo e depende muito do ritmo de atividade econômica do País. “Estruturalmente, há dois problemas centrais que envolvem a dificuldade de retomada da economia brasileira: restrições impostas pela política econômica do governo federal (o corte de gastos contínuo tira potência do consumo total da economia) e a forte queda da renda dos trabalhadores decorrente da forte queda da atividade produtiva”.
Amparo
A falta de preparo dos empreendedores individuais é uma das principais causas de falência destas empresas, uma situação em que o orçamento do trabalhador se mistura com o dinheiro do seu negócio. O professor da USCS aponta ainda para outro efeito da ‘pejotização’, o comprometimento de reservas financeiras das famílias. “Historicamente, a principal causa de falência de pequenos e médios empreendimentos no Brasil tem relação com a falta de planejamento e conflitos de interesse entre o dono do negócio e o próprio negócio. Este problema estrutural deve continuar. O cenário de pandemia acelerou o surgimento de ‘novos’ empreendedores que, por questão de sobrevivência, arriscam as poucas economias que têm para garantir um mínimo de renda”, aponta.
Apesar de considerar que o número elevado de MEIs é efeito da falta de emprego, Gouveia diz que o segmento continuará importante para a economia, mas precisa de amparo e a sobrevivência destas empresas vai depender do grau de formação dos gestores. Afirma que as universidades e o Sebrae têm papel importante na capacitação, como a USCS, que lançou recentemente o Hub de Inovação, uma parceria com o setor privado e entidades de classe, para prover soluções de negócios aos pequenos e médios empreendedores. “É importante que estes profissionais procurem estas instituições para obter mais informações de soluções para seus negócios”, orienta o professor.
As economistas e pesquisadoras Gisele Yamauchi e Vivian Machado também publicaram um estudo que fez parte da 18ª Carta do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS (Conjuscs). O trabalho revela que durante a pandemia o número de empresas criadas no ABC aumentou 38,9% ao passo que a oferta de crédito caiu 10,9%. Vivian lembra que no fim de 2020 recebeu a notícia de que 3 milhões de empresas foram abertas, só que destas 60% eram MEIs, o que não é uma empresa efetivamente. “A grande maioria é o empreendedorismo de necessidade, são pessoas que perderam emprego e, para voltar a ter uma atividade, precisaram se tornar pessoa jurídica para prestar serviço. Ela não é uma empresa, é uma pessoa que está precisando trabalhar e ninguém quer pagar encargos, então ela tem que se virar. Isso não é uma melhoria da situação é uma piora do mercado de trabalho, uma deterioração”, considera. (Colaborou Carlos Carvalho)