Desapego e esperança são os sentimentos que acompanham a bióloga Flávia Sandreschi dos Santos, de 35 anos, ao arrumar as malas para embarcar ao lado do marido Felipe Navarro Ferri, de 35 anos, e dos dois filhos, Lívia, 4 anos, e Rafael, 2 anos, rumo à uma nova vida em Portugal, na busca por estabilidade financeira, segurança e mais conforto. O casal fará parte da estatística de mais de 4,2 milhões de brasileiros que vivem no Exterior, segundo levantamento feito pelo departamento consular do Ministério das Relações Exteriores, no ano passado.
A família se prepara para a viagem e se desfaz de roupas, brinquedos e outros bens materiais não mais importantes. “Agora é o momento de levar somente o necessário e viver com menos. Nós juntamos coisas demais e me desfazer do que está além já era um desejo meu”, conta a moradora de Santo André. O casal ainda não definiu em qual cidade vai se estabelecer, mas a ideia inicial é ficar em residência alugada, decidida quando já estiverem em Portugal.
A violência em Santo André, o alto custo da escola dos filhos e a situação política do País, principalmente durante a pandemia, foram determinantes para a decisão do casal, que não vê mais perspectiva de melhora no Brasil. “Na minha infância pude brincar na rua e sair mais de casa, hoje meus filhos não têm essa possibilidade. Temos medo de dar um passeio com o cachorro pelo quarteirão. Não quero isso para as crianças. Esse momento das nossas vidas em que podemos trabalhar ainda e as crianças podem se adaptar bem é o ideal para sairmos”, conta.
Ferri conseguiu emprego na área de TI, em uma empresa da República Tcheca, no segundo semestre de 2021. Mesmo em home office, a empresa exigia que o trabalhador estivesse em terras europeias para acompanhar a jornada integralmente, mesmo em atividade remota. Com o emprego, seguiu para a Europa, em outubro passado, e retornou em dezembro para comemorar as festas de fim de ano no Brasil. A família agora arruma as malas para morar em Portugal, em fevereiro próximo. “Vamos celebrar o aniversário da avó dele e depois embarcamos. A meta é ficar por, pelo menos, dois anos. Mas se conseguirmos superar a adaptação e ficarmos economicamente estáveis, não voltamos”, define Santos.
A maior parte da comunidade brasileira no Exterior está concentrada nos Estados Unidos, mais de 1,9 milhão de brasileiros. O segundo destino é a Europa, que reúne mais de 1,3 milhão, o que representa quase 31% do total. O levantamento do Ministério das Relações Exteriores aponta ainda que mais de 276 mil brasileiros estão estabelecidos em Portugal, conforme informações do Consulado Brasileiro no País.
Portugal
Portugal também é o destino escolhido por Júnior Fernandes, 33 anos, morador de Ribeirão Pires, que já deu início às ações burocráticas para tentar uma vida melhor em terras lusitanas, ainda no primeiro semestre de 2022, com a esposa. “O que mais me motiva a sair do Brasil é a economia. Os salários são baixos e para ter uma renda maior é preciso fazer trabalhos extras. Como que saímos do mercado com apenas um sacola de compras e gastamos R$ 100?”, argumenta Fernandes. O casal pretende embarcar para Portugal primeiro e em seguida levar o cachorro da família.
Ter filhos numa vida mais estável está entre os principais desejos. “Quero ter filhos e a possibilidade de dar a eles uma vida mais segura, economicamente melhor, com mais qualidade. Tenho várias profissões, dentre elas sou eletricista, vou encontrar um emprego por lá e me estabilizar”, comenta.
Reunir a família é uma das motivações da psicóloga e pedagoga, Maria Aparecida Silva Pinheiro, de 59 anos, moradora de Santo André, que está em visita ao filho mais velho, morador de Portugal há oito anos. “O jovem tirou a cidadania portuguesa e foi estudar e trabalhar. Hoje é dono de um hostel. Viemos visitá-lo e ficamos encantados com a cidade, com a segurança, a possibilidade de conhecer outras culturas e outros países”, explica. Pinheiro aguarda a liberação da aposentadoria para arrumar as malas e seguir para a Europa definitivamente. Casada e com dois filhos, a psicóloga conta que o marido se aposentou no ano passado e já seguiu viagem a Portugal, ao lado do filho mais novo. “Eu amo o Brasil, mas não posso negar que a qualidade de vida em Portugal é melhor. Meu filho mais novo, com 16 anos, já estuda em escola pública, faz aulas de violão e teatro, tem mais autonomia e qualidade de vida”, diz.
Para Maria Pinheiro, retornar ao Brasil será somente para visitar os familiares e amigos. “Em Portugal eles estão num apartamento bem pequeno, não têm o mesmo conforto do Brasil, mas isso não tem sido problema. Vamos morar aqui mesmo assim”, afirma.
Crescente oferta de emprego
A diretora da empresa CI Intercâmbio, Andreia Lima, em São Caetano, aponta que houve um aumento considerável na procura pelos pacotes de serviços que oferecem estudo e emprego fora do Brasil. Durante a pandemia, os clientes procuraram por cotações dos valores. A unidade percebeu que no segundo semestre de 2020, quando houve melhora da pandemia somada à prática de home office adotada pelas empresas brasileiras, foi registrado crescimento de oportunidades. “Pelos nossos serviços, o cliente pode estudar em outro país e durante a estadia conseguir o chamado subemprego em bares e restaurantes, por exemplo”, explica Lima. Para continuar, ou o cliente estende o período de estudos, ou ele consegue melhores cargos na empresa e tem um vínculo empregatício para garantir a estadia.
Esta é uma das formas de ter um início de vida em países estrangeiros de maneira segura e com apoio de uma equipe de profissionais. “Muitos dos nossos clientes não retornam. Eles acabam por se estabilizar no local”, conta. Andreia ressalta que um dos destinos mais procurados é o Canadá, que oferece muitas oportunidades de emprego e menos burocracia no processo de entrada de imigrantes. Dados do Itamaraty, apontam que mais de 121,9 mil brasileiros moram naquele país.
Segurança, estabilidade econômica, qualidade da educação e possibilidade de melhores empregos, bem como a discordância pela situação política no Brasil, estão entre os aspectos elencados pelos entrevistados, para sair do País. Para o professor de Relações Internacionais, Vinícius Domingues Nunes, do curso de Comércio Exterior da USCS (Universidade de São Caetano), aos olhos da população o Brasil tem um perigo estrutural e isso faz com que as pessoas busquem e tenham esperança de encontrar fora do País uma economia mais forte e uma comunidade mais segura para si mesmos e para toda família.
O professor aponta um outro fator debatido dentro da literatura de Relações Internacionais, principalmente em sala de aula, de que o Brasil é um Estado sem nação. “Quando falamos em nação falamos sobre o sentimento de ser brasileiro. O nosso País é muito grande e essa sensação de pertencimento é regionalizada, uma pessoa do Sul se identifica como brasileiro por suas vivências e culturas totalmente diferentes das de quem mora aqui no ABC”, explica Nunes. Esse fator pode ser um motivos na decisão de se afastar da própria cultura e se aventurar por novos territórios.
Sem planos de retorno
Muitos brasileiros conseguiram atingir o objetivo no Exterior e não fazem mais planos de retornar ao Brasil. É o caso de David de Jesus Barbosa Junior, 33 anos, nascido em São Caetano e graduado em Marketing, que vive há três anos na cidade de Porto, em Portugal. O brasileiro, que já passou por muitas dificuldades ao chegar em terras lusitanas, hoje não pretende mais retornar ao País de origem. “Na verdade eu já vim com o pensamento de não voltar. Eu estava sem perspectiva com relação a trabalho e ao meu futuro no Brasil. Como eu tinha já cidadania portuguesa tentei arriscar em começar uma nova vida aqui”, conta Junior, que destaca a sensação de segurança e o ritmo desacelerado como fatores positivos. “Me sinto menos nervoso e acelerado”, explica.
Em Portugal, Junior trabalha há mais de dois anos na indústria farmacêutica. “Aqui com o salário mínimo, ainda que seja um dos mais baixos da Europa, consigo ter uma boa qualidade de vida. O custo não é assim tão elevado. Alimentação, roupas, essas coisas mais essenciais e básicas não são caras”, diz.
Retornar ao Brasil também não faz parte dos planos do andreense Victor Alegretti, de 27 anos, que há dois, mora em Portugal. Formado em administração, hoje atua na área de TI, por meio de uma vaga que conseguiu pelo Linkedin. “Eu já queria sair do Brasil há mais de 10 anos, com a situação política atual do nosso País e ao conseguir emprego aqui decidi sair. Não pretendo retornar pelos próximos 10anos”, explica.
O cenário político foi definitivo para a decisão de deixar o Brasil. “A política comanda uma engrenagem muito maior, que gera desemprego, desigualdade e, por lógica, se torna um lugar perigoso. Eu não queria construir uma família nessas condições”, conta Alegretti.