Os desafios e preocupações da área de Direitos da Criança e Adolescente do próximo governo federal, a partir de 2023, são imensos, a começar pela falta de dados atualizados e a situação financeira, que é crítica. O orçamento destinado ao próximo Ministério dos Direitos Humanos é de apenas R$ 330 milhões contra R$ 1 bilhão e 100 milhões destinados à pasta em 2015. A informação é de Ariel de Castro Alves, advogado e coordenador da área de Direitos da Criança e Adolescente do grupo de trabalho de Direitos Humanos da equipe de transição do próximo governo, em entrevista ao RDtv, ao adiantar que já foi solicitada recomposição orçamentária para melhorar o quadro financeiro da pasta.
Da mesma forma, diz, a Secretaria Nacional da Criança e Adolescente tinha R$ 203 milhões em 2008, R$ 53 milhões em 2022 e, pasme, apenas R$ 42 milhões previstos para 2023. “É uma situação (financeira) muito difícil para a secretaria executar suas ações”, explica Ariel de Castro Alves.
Evasão escolar, exploração do trabalho infantil e crianças em situação de miséria são alguns dos problemas com os quais a equipe de transição terá de administrar.
Atualmente, 18 milhões de crianças passam fome no Brasil, cerca de 24 milhões vivem em situação de miséria, e o Dique 100 (disque Direitos Humanos) recebe mais de uma ligação por minuto. “Tudo isso sem falar dos 130 mil órfãos da covid-19”, afirma. Para mitigar situações como estas, em 1990 foi instituído o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Entre as principais preocupações do grupo que Ariel faz parte estão os órfaos da covid-19. São 130 mil crianças e jovens que tiveram uma desestruturação familiar decorrente da pandemia e precisam de apoio. Por este motivo, tramita hoje no Congresso Nacional projeto de lei que visa garantir uma pensão – principalmente às famílias mais vulneráveis cadastradas no Cadastro Único, com o valor de um salário mínimo.
Evasão escolar
Atualmente, mais de 10% das crianças e adolescentes deixaram as escolas. “Os municípios e os governos estaduais deveriam fazer a busca ativa para resgatar esses jovens, mas não vejo isso sendo realizado”, relata o advogado. “Quando o Estado e a sociedade excluem, o crime inclui, então precisamos resgatar estas crianças, porque esse trabalho está numa inércia, inclusive no ABC”, completa.
De acordo com o advogado, o ideal seria que as escolas tivessem um psicólogo e uma assistente associal para auxiliar nesse processo (de busca ativa), fazer interlocução com a rede de proteção social. Mas a realidade relatada por Ariel é distinta. “Hoje muitos municípios colocam uma assistente social e um psicólogo para cuidar de toda rede de ensino, um absurdo”, diz.
Segundo Ariel, o governo do Estado de São Paulo, por exemplo, desativou uma iniciativa realizada com professores mediadores, que realizavam um trabalho de mediação diante de situações de violência com estes alunos. “Outro programa que precisa ser retomado é o Escola que Protege, no qual professores são formados para evitar violência contra crianças e adolescentes e intensificarem o olhar sobre sinais de maus tratos, abusos e violência”, sugere o advogado.
Outra área delicada para a pasta ligada ao Direito das Crianças e Adolescentes é a cobertura vacinal infantil no País, que caiu de 90% para 60% em 2021. O advogado reitera a importância de resgatar as campanhas de vacinação.
Apagão dos dados
O governo federal não dispõe de números atualizados sobre a realidade de crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade, trabalho infantil, violência, em situação de rua etc. “Precisamos atualizar os dados em todas as áreas, pois este é o primeiro passo para estabelecer políticas públicas”, enfatiza o advogado que relata o fato de o último senso, nesta área, ter sido realizado em 2011, pelo Conselho Nacional da Criança e Adolescente.
Na época, constavam 24 mil adolescentes que viviam nas ruas de cidades com mais de 300 mil habitantes. “O município de São Paulo realizou recentemente um senso e constatou quase 4 mil crianças e adolescentes vivendo e situação de rua”, aponta Ariel, ao acreditar que isso deve ter ocorrido em todo o Brasil. “Mas o atual governo não se preocupou em fazer um levantamento”, diz.
Para o enfrentamento desses desafios foi solicitado do governo de transição uma recomposição orçamentária. “Diante dessas circunstâncias esperamos que o orçamento possa melhorar um pouco, mas sabemos das imensas dificuldades”, explica o advogado ao citar a existência do Fundo Nacional da Criança e do Adolescente, que executou apenas R$ 10 milhões (no último ano), dos R$ 113 milhões existentes.
Para Ariel, o sistema de proteção social no Brasil precisa ser aperfeiçoado, principalmente diante da situação atual, em que dos 60 milhões de crianças e adolescentes no País, 40% vivem em situação de miséria. “A fome, hoje, atinge cerca de 18 milhões de crianças. Isso sem falar na insegurança alimentar que assola mais de 125 milhões de jovens”, afirma.
Propostas para os 100 primeiros dias
Para amenizar esta realidade, Ariel destaca uma das diversas medidas que serão implementadas no enfrentamento do combate à fome, como a retomada do novo Bolsa Familia, com acréscimo de R$ 150 por criança com menos de seis anos, a partir de 2023. “Para se ter ideia, hoje o governo federal repassa para os municípios e estados R$ 0,36 por criança, o que se compra com esse valor?”, indaga o advogado. “Então precisamos de mais recursos nessa área para o enfrentamento da fome, que é um dos mais graves no País”, completa.