Professora de drenagem da UFABC (Universidade Federal do ABC), a engenheira Melissa Graciosa apontou a falta de uma política pública integrada para prevenção de desastres devido às fortes chuvas, como nas que resultaram em tragédias pelas cidades do litoral norte de São Paulo, que já contabilizam dezenas vítimas. Segundo a docente, é preciso interligar urbanização sustentável, políticas habitacionais mais efetivas e plano de evacuação emergencial em áreas de risco.
Em entrevista ao RDtv nesta quarta-feira (22/2), Melissa avaliou que as intervenções atualmente adotadas, como piscinões e galerias, por mais que desempenhem suas funções, não são suficientes para lidar com a urbanização desenfreada. De acordo com a docente, a expansão das ocupações e obras viárias podem resultar em menor espaço de vazão para as águas em cenários de elevados índices pluviais.
“Essas obras (galerias e piscinões) têm um caráter emergencial, uma solução criada perante o modelo de urbanização. Então essas intervenções contam com as suas funções, mas todas vêm para tentar reparar um dano na forma que esse território foi ocupado. Os rios (canalizados) ficam confinados no que chamamos de leito menor, porque a várzea dele foi suprimida e tira o volume de armazenamento”, exemplifica.
Plano regional desatualizado
Sem uma política de urbanização sustentável, os rios têm retirada a vegetação auxiliar ao redor, o que causa problema de erosão e assoreamento. Somado a esse agravante, a engenheira cita estudos que indicam aumento do índice de chuvas nos últimos anos e uma capacidade de armazenamento nas bacias, em um plano regional, desatualizado perante as atuais necessidades das cidades.
Somente pela última revisão no índice IDF (equação de intensidade, duração e frequência pluvial), realizada em 2018, conforme explica a professora, o volume de chuva aumentou em 15% na Região Metropolitana de São Paulo. Agregado a esse cenário, há falta de capacidade dos reservatórios no ABC, que tem cinco dos sete municípios que usam o rio Tamanduateí, afluente da Bacia do Alto Tietê.
“Pelo diagnóstico feito pelo PDMAT (Plano Diretor de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê), seriam necessários de 12,3 milhões metros cúbicos de reservação para dar conta de uma chuva de 100 mm de duas horas, ou 9,6 milhões de 85 mm. E hoje temos, na Bacia do Tamanduateí, 4,7 milhões metros cúbicos implantados, então estamos menos da metade”, diz.
Política habitacional ineficiente
Melissa explica que a ineficácia da política habitacional ainda agrava o cenário das áreas de risco. Mesmo com forte fiscalização, segundo a professora, não haveria como frear as ocupações, se a população mais vulnerável não tem condições de moradias em áreas já adequadamente urbanizadas.
Outro agravante é a falta de políticas públicas para alertas de evacuação, visto que mesmo com toda a estrutura de armazenamento a fim de amenizar os efeitos das chuvas, nem sempre isolada, é possível dar conta. Diante disso, tanto as equipes da Defesa Civil e moradores das áreas de risco precisam ter em mente o que fazer em caso de iminência de fortes chuvas, com rotas de fugas e locais previamente prontos para abrigá-los em segurança.
“O volume de chuva de 680 mm em 24 horas, como aconteceu em algumas cidades do litoral norte, ou mesmo no litoral sul, como no Guarujá, em volumes de 480 mm, não há cidade que esteja, literalmente, estruturada para lidar com essa situação. Daí a importância que haja esse sistema de alerta mais efetivo, com plano de contingência”, discorre.
Por fim, Melissa destacou a importância do Consórcio Intermunicipal Grande ABC para ações integradas entre os municípios, embora atualmente o colegiado não conte com São Bernardo e São Caetano.
“É possível regionalizar em regiões como o Tamanduateí e é importante essa visão, porque um município pode ocasionar uma enchente que vai se deslocar mais adiante. E existe o Fehidro (Fundo Estadual de Recursos Hídricos, vinculado à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado), que disponibiliza anualmente R$ 50 milhões na bacia hidrográfica. Os consórcios têm maior força técnica e não precisam de contrapartida”, explana.